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Os Heterónimos da Peçonha

Os Heterónimos da Peçonha

14
Fev23

Das leituras no passado recente («Submundo» de Don Delillo)

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A genialidade narrativa de DeLillo poderá ser comprovada logo no primeiro capítulo, que é um portento narrativo que até a alguém que não quer saber nadinha de basebol faz abanar a alma (é essencialmente sobre um certo jogo ocorrido na década de 50 do século passado). O restante não acompanha qualitativamente, mas só porque a «personagem principal», face às secundárias, é tão interessante de ler como calcular juros de mora. Prova de que o sonho americano - que é isso que a personagem pretende incorporar - é uma balela e um aborrecimento.

Realmente notáveis e extraordinárias são várias dessas personagens secundárias, numa riqueza criativa e narrativa como poucas vezes se tem a sorte de encontrar, com aqueles passos da hábil dança que estes mestres da verborreia da americanidade da segunda metade do século XX tão bem executam, entregando ao leitor o ovo de Páscoa plantado um par de centenas de páginas antes, tudo fazendo convergir. Ora expressamente, ora na vontade leitora, que é convocada com efectivo esforço e não através de vacuidades armadas aos cucos.

Há muito que tinha o DeLillo como desonrosa lacuna nas minhas leituras e em boa hora colmatei tal lacuna. Espero durar para ler mais deste autor.

09
Fev23

Das adições ao acervo livresco doméstico (chegadas do passado recente)

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Uma reedição-novidade, mais um volume das obras completas de Maria Judite Carvalho, um de sci-fi para cuja sinopse a minha curiosidade foi imoderada, dois da efémera Bazarov, aproveitando a recente promoção da Almedina (ainda falta um), e um do Adorno que foi mencionado numa crónica lida há não muito tempo do qual imeditamente *precisei*.

18
Jan23

Das adições ao acervo livresco doméstico (H. P. Lovecraft)

rltinha

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A Saída de Emergência, editora cujo catálogo me desinteressa em larga escala, tinha por lá uma oferta irrecusável: três volumes dos contos de H.P. Lovecraft a um preço muito aceitável. Chegaram hoje e já estão devidamente encavalitados sobre outros livros que não os dois primeiros volumes dos contos do mesmo autor, numa estante desorganizada (a última a chegar cá a casa e plena de livros lá postos ao calhas porque inseri-los na ordem geral das estantes cá de casa tomaria vasto tempo que prefiro torrar a ler ou mesmo a engonhar online).

Os dois primeiros volumes estão no seu devido lugar. Duvido que ganhem a companhia adequada nos próximos tempos.

15
Jan23

Das leituras no passado recente

rltinha

O ano de leituras foi aberto com o «Karmen» de Guillem March e com o vol. 4 de «The Far Side® Gallery 4». Mas o marco leitor desta pobre (em números) quinzena foi «O Cemitério de Praga» de Umberto Eco.

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Que o senhor Eco era um fã de conspirações, portador de uma ironia infinita para com todo o tipo de mistificações, já se sabia. Mas «O Cemitério de Praga» é a materialização de uma soberba caixa de areia para brincadeiras infinitas com esta sua matéria de eleição. Nada ali deixa de ser utilizado para a pura diversão do escritor. O leitor que se segure, que escreva notas, ou que se deixe ir (recomenda-se esta terceira opção). Eco não acumulou milhares (lendo uma quantidade assinalável) de livros para depois não se divertir tanto quanto podia a parodiar plúrimas conspirações e mitos, e ainda a usar tropos narrativos nessa celebração lúdica do que é contar uma história.
Este livro terá como pecado maior a intensidade e a insistência. É que nem todos os dias se está com vontade de ler narradores tudo menos fiáveis, desprezíveis e vis até ao tutano, ainda que sabendo-os caricaturas de modelos dignos destas adjectivações. Sim, o anti-semitismo e a misoginia tal como manifestados pelos narradores são hilariantes. Mas é factual que neste livro se tem que ler muito discurso anti-semita e misógino. Talvez demasiado.

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À pergunta «seria feliz a comer apenas bolo de chocolate o resto da minha vida» aprendi com «The Far Side® Gallery 4» que a resposta é não. No termo de um jornal diário um painel assenta muito bem. Muitos compilados num livro são puro enfado.

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A arte de «Karmen» é superior ao argumento, ainda que viva à boleia de opções fáceis para chocar. Mas a paleta é sublime. Coisa que o argumento fica a parsecs de alcançar. 
Falhas de comunicação, isolamento social, e a enésima historieta de um limbo entre a vida e a morte de uma personagem em provação.


Adolescência tardia num bildungsroman de netflix para as massas. Só que com aura de culto. Vá-se lá saber porquê.

 

30
Out22

Das bitaitadas literárias 14: «Lições» de Ian McEwan

rltinha

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Pouco há de tão apelativo à empatia do leitor como uma boa escrita sobre a voragem do tempo. Proust sabia-o bem. McEwan sabe que não é Proust. Também sabe que vive num tempo distinto, ao qual atenta sem olvidar o que o antecedeu e moldou. E desta lucidez urgente veio um livro que demora a arrancar porque se toma em vagares analépticos despreocupados com optimização dos efeitos aditivos sobre as massas. Também por este respeito pelo leitor McEwan merece ser lido com entusiasmo.

«Lições» é uma vida inteira permeada de outras, parciais, também elas gozando de um detalhe raro e esforçado, raramente forçado. Convoca a história dos últimos 70 anos de modo não linear (é o leitor quem organiza a linha cronológica que começa sinuosa e depois se estende) segundo a vida de Roland Baines. E a criança Roland é indubitavelmente o pai do adulto Roland, que passa pela história da segunda metade do séc. XX e chega ao tempo da pandemia carimbado por todas as estações do tempo volvido, resultando do lote de presenças e ausências dos demais. Vítima atípica (por ser homem) de dois ataques que lhe são feitos por mulheres, Roland vive simulando-lhes resistência, numa negação quase inconfessa. Como vive, aliás, a generalidade dos atacados: resistindo apesar dos danos, reinventando-se nos destroços do que não os tratou como era esperado.

A virtude maior de «Lições» é que a sua ambição não ofende. Não só supera a expectativa leitora, como faz de modo inesperado, sem pejos em conduzir o mais emotivo dos momentos narrativos para uma imediata foz de desaire, como tão frequentemente faz a vida. Tudo isto enquanto tece uma personagem-tempo e história à moda de Stoner, mas sem o aconchego do microcosmos de uma academia longe do caos e miséria do pós-guerra, da paranóia da Guerra Fria, do flagelo Thatcher, da RDA e reunificação da Alemanha, da cavalgada neoliberal e seus «danos colaterais».

19
Jul22

Das bitaitadas literárias 13

rltinha

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Um romance socialmente empenhado, denunciando, além da pobreza, a miríade de desgraças pessoais emergentes de tribunais morosos e burocráticos, olvidados da boa administração da justiça, devorando quem e o que cai no objecto dos processos.
Dickens é particularmente feliz na refinada ironia descritiva de tipos sociais. Para tudo o mais (a trama) perdi há muito as sensibilidades desejáveis.

17
Jun22

Das bitaitadas literárias 11

rltinha

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No Yoknapatawpha do Mississipi de Faulkner, Addie Brunden ocupa o leito de morte enquanto o filho mais velho lhe talha as tábuas do caixão, precipitando a morte de Addie a sua última viagem, que tem por obstinado destino Jefferson, lugar do outro lado de um rio extravasado em torrentes que levaram as pontes que asseguravam travessias seguras.

Quinze vozes narrativas em 59 capítulos de angustiada culpa, perdição, e expiação. 

Poderoso, pungente, perfeito.

28
Dez21

Das bitaitadas literárias 10

rltinha

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Excluindo a tendência para criar diálogos com exclamações que melhor se quedariam declarações, a escrita de Joseph Roth merece todos os elogios que de um modo geral povoam as críticas ao seu trabalho. Esta curta novela é um bom exemplo do mencionado supra.

Em pouquíssimas páginas todo um universo particular se apresenta ao leitor, levando-o na improvável entrega de Fallmerayer ao desejo que uma aleatoriedade plantou naquela que, até então, era uma existência regrada no espartilho das expectativas alheias. E sim, há a tal «história de amor impossível», a perseverança de Fallmerayer, e todos os lugares comuns.
Mas o que li de verdadeiramente extraordinário foi o epílogo, um «sopapo narrativo» como já não sofria desde as últimas páginas de «A Montanha Mágica» (ainda que numa escala necessariamente menor), e quem leve consciência de classe para esta leitura certamente que também o perceberá.
Sublime.

22
Dez21

Das bitaitadas literárias 9

rltinha

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Muito me surpreendeu, depois de me forçar a ler rapidamente o livro, (animada do pragmatismo que emprego na higienização dos wcêzinhos deprimentes da gataria quando por lá deixam instalação nauseabunda), em ver opiniões positivas sobre ele, sendo estas emitidas por gente com idade superior aos impressionáveis 16 anos, idade própria para fascínios com palermices sonho/realidade, doença mental/realidade, e achar que são bué originais.


Misógino e muito parvo, é a caracterização que penso melhor servir a este texto que tem uma só virtude: a de ser curto.

Sob a capa de fantasia macabra e entre a meandrada da modificação de termos identitários na progressão/regressão narrativa, o que temos é um exercício adolescente de uma escrita que nada traz de novo nem relata mais do que notas preguiçosamente dispersas contendo obsessões e ódios de estimação travestidos de originalidade aquém do patamar qualitativo de um mediano jornal escolar, em desavergonhada glutonia por (imerecida) atenção.

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