Das adjectivações dignas de reparo
Sobre Camus e Sartre, refere António Mega Ferreira* que «entenderam-se em torno de uma consciência partilhada do absurdo da vida (...) e, claro, das leituras com que ambos, leitores bulímicos, tinham alimentado a sua curiosidade intelectual».
Curiosa expressão, esta de distúrbio alimentar aplicado à actividade leitora. Do contexto depreende-se que a bulimia será sinónimo de voracidade. Ora, em bom rigor, um leitor animado de bulimia não terá somente um consumo voraz da palavra escrita, pois que a plenitude comparativa implica um regurgitar sofrido e auto-destrutivo, logo depois da ingestão, por tal modo que aquilo que retira da leitura será uma pálida amostra literária face ao seria o proveito de tudo quanto havia lido.
Procurei no google (às vezes o Dr. Google até sabe de cenas). Nada de explicações semânticas, só mesmo o uso da expressão com sentido similar.
Além de absurda, a metáfora é muito infeliz.
*in «Desamigados - ou como cancelar amizades sem carregar no botão» (2021, Tinta da China)