Das leituras no passado recente («Confiança» de Hernán Díaz)
Começando por um livro dentro do livro, Diáz adianta o tema, o tempo e o lugar (dinheiro/finança, EUA, dos loucos anos 20 ao pós-Grande Depressão). Segue-se-lhe uma estranha autobiografia inacabada, uma memória «bildungsroman» pela improvável ex-secretária do autor da autobiografia, culminando no diário da mulher do autobiografado.
Com estas quatro partes distintas Díaz confirma o que diz de si próprio - que há muito se esforça, trabalha e escreve (e que lufada de ar fresco é ler entrevistas em que o autor se apresenta como ser humano dedicado ao processo e não um iluminado das musas da escrita que recebe em si um dom divino) - e tem prestações de qualidade em todos estes estilos e vozes narrativas.
Depois há o fio que a tudo isto urde, dando às personagens densidade e relevância consoante cada perspectiva e contributo «factual» transportado para o conhecimento do leitor, num omnipresente ensaio subliminar sobre a ficção «dinheiro», indissociável dos seus cultores maiores que são os homens da finança, com um antecipável, mas nem por isso menos rico twist final. E é por estas duas últimas partes que este romance se revela à altura dos elogios, pela capacidade para rever a história pela perspectiva dos vencidos usando as fórmulas, os cenários, e a própria literatura dos vencedores.