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Os Heterónimos da Peçonha

Os Heterónimos da Peçonha

28
Abr23

Das Leituras no passado recente («O Acontecimento» de Annie Ernaux)

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Parece de outro tempo (e é). Mas o passado é recente q.b. para ter sido nas nossas vidas que mulheres viveram esta tragédia dentro da tragédia que é abortar. A tragédia de só as mais abastadas se pouparem ao tremendo risco da clandestinidade das pobres, pagando com a saúde e por vezes a vida o que é um cuidado de saúde básico numa sociedade minimamente livre e igual.
O cativante relato de «O Acontecimento» expõe a profunda solidão da mulher refém de uma gestação indesejada entre homens incapazes de responsabilidade ou culpa, como se a gravidez não conhecesse co-autoria masculina. Demonstra que a gravidez é, frequentemente, uma sentença de pobreza lida às mulheres que escolhem (condicionadas, ou livremente) levá-la a seu termo, sem a interromperem.
E foi para se libertar da pobreza e poder ascender a uma classe acima da sua que esta jovem mulher co-narradora arriscou a vida, submetendo-se a procedimentos medievos e perigosos, porque a sociedade vivia melhor com o mal das muitas para que uns poucos reaças dormissem no seu sossego hipócrita (quantos deles apoiaram e custearam a IVG para as mulheres da família enquanto cuidavam de submeter as mulheres pobres a esta barbárie ostracizante?; quantas mulheres abertamente contra a IVG optaram, na sua intimidade, por interromper a gravidez do seu corpo ou das mulheres da sua família?).
«O Acontecimento» dá conta de uma das muitas formas de agonia das mulheres. Do que sofreram e sofrem enquanto grupo. Do quanto durante tantos séculos esteve normalizado e era pura violência e subjugação. Não nos surpreendamos então que muitas mulheres, com tanto de horrível tão próximo e ainda presente na sua história, sejam quem reclama visibilidade onde certas agendas as pretendem apagar em nome da inclusividade.
É que, mal começámos a notá-las e a dignificá-las com vagos mínimos, logo trataram de lhes terraplanar a identidade.
Também por isto, um relato contundente e honesto como este «O Acontecimento» é um testemunho importante do sofrimento no feminino, exclusivamente imposto pelos fortes sobre as fracas.

11
Abr23

Das adições ao acervo livresco doméstico (chegadas do passado recente)

rltinha

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Doravante conto reduzir as tentações livrescas momentâneas, fazendo por orientar as aquisições para objectivos leitores de mais longo alcance.

Mas, como a minha mutabilidade decisória é ampla no que respeita a leituras, ainda estou para ver no que darão tais intentos...

10
Abr23

Das leituras no passado recente («Os Ignorantes» de Étienne Davodeau)

rltinha

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Dois amigos têm carreiras distintas. Um é produtor de vinho, e o outro de arte sequencial (especialmente argumentos). Este último achou que tinha aqui óptimo material para uma novela gráfica, e por isso abundam os paralelismos forçados entre os dois ofícios, lembrando aquelas entrevistas em que os actores que dão voz a um animal real ou imaginário falam de como tiveram que explorar o «esquilo-das-pampas/crocodilo floclórico/dragão do Alto Minho» que havia algures no mapeamento da sua alma.

Talvez não suportar, sequer, o cheiro do vinho haja minorado a minha boa vontade leitora, mas ainda pior do que isso é o asco que tenho a cenas de «A conhece B, cuja fama aproveita para dar visibilidade ao que faz». E também nisso abunda esta obra, sempre muito humilde e autêntica, só que sem abdicar destes «cameos» que por acaso têm o condão de amaciar o público-alvo.

Uma leitura tão boa como um copo de vinho.

04
Abr23

Das leituras no passado recente («X-Men - Dias de um Futuro Esquecido»)

rltinha

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O problema de se chegar a obras seminais depois de décadas a contactar com as narrativas emergentes daquela influência é que não se leva a frescura virginal necessária para se sentir o assombro adequado.
A piorar esta incapacidade de fruição estão ainda as issues iniciais, inseridas para alcançar a paginação média exigida pelos padrões da colecção em que se inseriu este título.
Por este motivo assinalou-se o preenchimento do quadradinho no formulário imaginário dos essenciais dos comics, mas o que se reteve foi uma pouco estimulante leitura de comics de uma era em que a hiper e prolixa explicação ainda era norma, embora já sem o encanto da hilaridade inicial, fazendo uso de mecanismos enfadonhos pela sua previsibilidade, sem esquecer a afronta estética da coloração «daltónico às escuras» típica dos comics dos 80’s.

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